Entrevistas

deFEMde fala do crime de perseguição, ou stalking

1024 683 Rede Feminista de Juristas

Reportagem originalmente publicada pela Revista Istoé. Para acessar o conteúdo, clique aqui.

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde conversou com Vinicius Mendes, jornalista, sobre a tipificação do crime de perseguição no Brasil, que criminaliza a prática conhecida como stalking.

stalking tem raízes na caça de animais; é daí que o termo se deriva em inglês. A prática consiste em rastrear, encurralar e/ou ameaçar uma pessoa, no meio físico, ou no meio virtual. Vítimas de stalking (ou perseguição) costumam receber telefonemas sem identificação insistentemente (a ligação é comumente encerrada no segundo em que atendem), ter a caixa de entrada e a caixa de spam sempre lotadas de mensagens dos agressores, receber notificações frequentes sobre mudanças (que elas não fizeram) de senha em redes sociais e aplicativos (sinalizando tentativas de hack do agressor), muitos comentários de uma mesma pessoa ou de perfis ocultos com escrita similar em diversas postagens suas em redes sociais (independentemente se o conteúdo da postagem é escrito, ou audiovisual; essa frequência e insistência de comentários sinaliza a presença do agressor em suas redes sociais); estas vítimas também podem identificar imagens suas em momentos mais íntimos (na piscina de casa com a família, por exemplo) roubadas de stories, feeds, reels e outrose postadas em outras redes sociais pelos agressores (sinalizando o nível de acesso que o stalker tem sobre a vítima, independentemente dos níveis de restrição que esta imponha sobre seus dados), ou ver deep fakes seus em circulação e dados sensíveis como CPF, conta bancária, chaves de segurança de cartão de crédito e outros expostos na internet sem explicação (sinalizando agressores engajados em violência psicológica, espalhando ofensas sobre a vítima e estimulando mensagens de ódio contra ela, buscando seu constrangimento e isolamento). 

Os stalkers rastreiam e assediam as vítimas mais facilmente pela internet, e atingem também pessoas próximas. Agressores se aproximam de amigos e familiares das vítimas para coletar informações sensíveis (endereço, CPF, dados bancários, status de relacionamento, dentre outros) e para ameaçá-los, afastando estas pessoas das vítimas; eles também podem obter estes dados usando suas ferramentas de trabalho (como atendentes de SAC e outros serviços, com acesso a cadastros de usuários e visualização de informações da vítima). Em casos mais severos, o stalker pode investir fisicamente contra a vítima, seguindo-a na rua, invadindo sua propriedade e tentando a prática de qualquer (outro) tipo de violência contra a vítima. É o caso da gamer Sol.Qualquer mulher pode ser vítima de stalking; por isso, apesar de serem detectadas algumas ocorrências tendo homens como vítimas, o stalking é tratado como uma das formas de violência contra as mulheres. Haru e Sol são casos emblemáticos da perseguição de homens que acreditavam ter algum tipo de “direito” às vidas delas; o relato de Adriana Falcão segue na mesma linha. A aproximação do stalker geralmente não é percebida, pois o contato inicial se dá de forma cordial, em interações controladas como a visita do técnico da NET, nas quais não se depreende perigo; é importante não culpabilizar a vítima e responsabilizar energicamente o agressor, e as estruturas que facilitam estas práticas. O stalker acredita que merece um contato mais íntimo, e que seus esforços para obter esse contato são justificados. Este é o padrão de educação masculina. Homens são educados para não medirem esforços, para ignorar o “não” e interpretar qualquer sinal como um “sim“.  Todas as mulheres estão sujeitas a este crime. O agressor, no entanto, tem um perfil certeiro. 

A Lei de Stalking não substitui norma anterior – isso não era normatizado antes. O que ocorria é que a prática poderia ser enquadrada em contravenção penal (a perturbação de sossego), e isso, com muito boa vontade dos sistemas de Justiça, que comumente ignoravam os pedidos de ajuda das vítimas. Não podemos afirmar que a revogação do dispositivo por esta norma caracteriza substituição. Com a Lei 14.132/2021, as vítimas de perseguição tem amparo legal específico e não dependem dessa boa vontade.  A norma acolhe uma demanda de muito tempo das mulheres para o combate às violências de gênero, e vemos à menção expressa à discriminação de gênero como algo positivo. Se a norma viesse 5 anos antes, Sol estaria viva e Haru não teria passado pelo horror que passou; muitas mulheres não teriam pavor de visitas técnicas da NET, se tivéssemos essa norma antes. Ter amparo legal muda totalmente o jogo para mulheres nas redes sociais.  O número de registros da ocorrência em poucos meses da vigência mostra que as vítimas de perseguição começam a sentir que podem procurar ajuda e que estão se fortalecendo com o reconhecimento do que é feito contra elas como crime. 

Antes, havia a possibilidade de se enquadrar o stalking na perturbação de sossego, prevista pelo art. 65 da Lei de Contravenções Penais. O dispositivo era um guarda-chuva para uma série de reclamações do cotidiano (barulho, odores de canis e outros), e por isso naturalizado pelos sistemas de Justiça, que comumente não registravam a ocorrência; se registravam, não davam seguimento, ou demoravam demais para pautar o tema, permitindo que os agressores saíssem impunes, como ocorreu com Haru. Departamentos destinados à proteção da mulher não pautavam a conduta fora de relações afetivas, familiares ou inseridas em unidade doméstica, por entender que não havia amparo legal dessas vítimas. Em departamentos que pautam crimes online, as mulheres também não obtinham acolhimento. Não podemos falar em dificuldades com um quadro desses; apenas em impossibilidade. Conseguir justiça nestes casos era tarefa de Sísifo.

stalking é uma prática muito antiga. Os casos não cresceram; eles só estão sendo mais denunciados, filmados, expostos nas redes sociais, mas não surgiram ontem. Como dizia o filme da Disney: a tale as old as time. Estamos no Julho das Pretas, e precisamos lembrar que Maria Beatriz Nascimento, historiadora, professora, roteirista e poeta negra, foi vítima fatal de stalking nos anos 90. Também é possível afirmar, considerando o contexto do caso, que Daniella Perez foi uma vítima fatal de stalking. As consequências da inexistência de uma norma que dê alguma proteção legal às vítimas dessa prática e a constatação da inércia do Estado ante à violação de Direitos Humanos aqui contida é que exigem a formulação de norma específica. Precisamos lembrar que a perseguição também integra os relacionamentos abusivos; no âmbito afetivo e familiar, a prática integra os dispositivos da Lei Maria da Penha. Muitas mulheres foram – e são – perseguidas por seus companheiros e ex-companheiros, e à época, não tiveram resposta dos sistemas de Justiça por não sofrerem “violência física”. Grande parte destas mulheres hoje integra estatísticas de feminicídio, tentado ou consumado. E grande parte destas mulheres poderia estar viva hoje, se tivesse amparo legal quando entrou na delegacia pela primeira vez com fotos e filmagens do agressor seguindo rua afora e os dizeres “ele me persegue em todos os lugares que eu vou“. 

Muitos casos não são denunciados.  É importante considerar que, mesmo com a tipificação específica, o receio de represálias dos agressores, aliado ao cenário de violência institucional de gênero constatado em setores de atendimento às mulheres vítimas de violência, desestimulam as vítimas de buscar a ajuda necessária, consolidando o quadro nefasto das cifras ocultas nos dados de segurança pública no país. É necessário um diálogo franco sobre como as instituições podem se tornar mais acessíveis às mulheres e dar plena segurança de acolhimento quando da decisão de denunciar um crime.

O Brasil está bastante atrasado. EUA,  grande parte da União Europeia, Reino Unido, África do Sul, Japão, e outros países possuem legislação anti-stalking. A legislação, ainda que falha (condicionando a representação da vítima e forçando uma revitimização, neste aspecto) é importante, pois permitirá um debate qualificado sobre os números de stalking no Brasil, mesmo com as cifras ocultas que infelizmente permeiam os dados de segurança pública, a elaboração de políticas públicas de combate a esta prática, a inclusão do problema em programas de compliance de grandes empresas e possibilita um esforço para a promoção de equidade de gênero e no gênero para o Brasil. Temos uma oportunidade. resta saber se conseguimos aproveitar.

deFEMde fala de violência patrimonial e pandemia

920 609 Rede Feminista de Juristas

Reportagem originalmente publicada no portal iG Delas. Para acessar o conteúdo, clique aqui.

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde conversou com Luciana Teixeira Morais, jornalista, sobre um tema bastante delicado: a negativa do auxílio emergencial para mulheres que se separaram durante a pandemia. O benefício costuma ser negado com a justificativa de que outra pessoa da família recebe o auxílio.

A subtração do Auxílio Emergencial após o fim do relacionamento caracteriza violência patrimonial. A violência patrimonial é a retenção, subtração, destruição parcial ou total de dados, objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos da mulher como forma de forçar dependência e manter uma condição de subserviência dentro do relacionamento. A violência patrimonial é tipificada pelo art. 7º, IV da Lei Maria da Penha, mas ainda temos dificuldades na aplicabilidade disso pelo estigma que isso carrega (a mulher é sempre culpada e culpabilizada; há uma presunção de que ela nunca seja vítima de um golpe, mas sim sua arquiteta). Usar o CPF para fazer compras e não pagá-las, impedir o trabalho, destruir computadores, mexer no WhatsApp (mesmo que seja pessoal, pode ter contatos de trabalho) sem autorização, enfim, todas estas são condutas que também podem ser inseridas na violência patrimonial.

Há um padrão nocivo de ex-companheiros e ex-cônjuges, que cadastram deliberadamente os filhos como dependentes, mesmo sendo as mulheres as principais provedoras das crianças e adolescentes envolvidos, para receber o Auxílio Emergencial. Eles não enxergam o Auxílio como um direito delas, que não se relaciona com os alimentos a serem prestados às crianças e adolescentes frutos do relacionamento. Os ex-companheiros e ex-cônjuges adotam essa prática em caráter punitivo, para que as mulheres sintam o peso de não tê-los por perto, e em caráter compensatório, como se precisassem de um prêmio por cumprir com funções parentais.

Quando essa violência se manifesta no âmbito de famílias inseridas no CadÚnico – que é um programa assistencial destinado a famílias periféricas – recebendo Auxílio Emergencial, há uma participação do Estado na consolidação dessas violências, pois a família recebe conjuntamente. Os dados são cadastrados em bloco, e a mudança no relacionamento, mesmo formalizada, não produz atualizações na base de dados. Essa falta de atualização incentiva a violência patrimonial, já que cônjuges e companheiros subtraem o Auxílio Emergencial e impõem condições às companheiras e cônjuges para devolução ou repasse da cota-parte.

Para tentar remediar a situação, estas mulheres são obrigadas a se dirigirem às unidades responsáveis pelo CadÚnico, e enfrentarem horas em aglomerações, expostas a COVID-19, para retificar uma informação e manter uma base mínima de sustento – e por vezes recebem negativas esdrúxulas dos responsáveis na retificação.
Ao não atualizar bases de dados e exigir esse comparecimento, sujeitando pessoas à exposição a COVID-19, o Estado basicamente força uma escolha brutal: arriscar a vida, ou permanece em situação de violência. Entendemos assim uma cumplicidade do Estado na manutenção das desigualdades de gênero, e uma contribuição ativa na continuidade da violência doméstica. Quando se fala em necropolítica, esta situação é mais uma das que desenha bem o que se quer dizer. É assim que se decide quais vidas são valiosas e quais vidas são descartáveis. Mulheres periféricas, geralmente inseridas em recortes raciais e comumente chefes de família, ficam extremamente vulneráveis no momento em que mais precisam de apoio das famílias, da sociedade e do Estado.

Em alguns estados, existem demandas que tentam contornar o problema, mas não diretamente. No Pará e em São Paulo, órgãos ministeriais buscaram judicialmente a atualização automática de bases de dados, ou a dispensa de visita presencial a unidades de atualização, o que facilitaria a vida de muitas mulheres; mas as ações não fazem estes pedidos em função delas. O recorte de gênero, embora conhecido destes órgãos, é ignorado. A jurisprudência, neste sentido, não será conhecida do publico, e acompanhar sua evolução será difícil; estas são demandas atinentes ao Direito das Famílias, e processos familiares correm em segredo de justiça por lei. Existe uma possibilidade grande uma termos já um desenho nefasto de jurisprudências favoráveis aos ex-companheiros e ex-cônjuges engajados em violência patrimonial durante a pandemia, quadro que levará anos para ser revertido no Brasil, algo bem semelhante ao quadro da Lei de Alienação Parental.

deFEMde critica decisão que revoga pensão de mulher após novo trabalho e relacionamento

1024 767 Rede Feminista de Juristas

O Superior Tribunal de Justiça revogou pagamento da pensão alimentícia, afirmando que o “fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas“. A mudança de condição financeira da parceira e o fato de ela ter iniciado uma nova relação afetiva serviram como justificativas para a suspensão. A página do órgão no Facebook publicou a decisão em tom comemorativo,, e em linguagem que dava a entender que a decisão era válida para todos casos similares.

O fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é…

Publicado por Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Terça-feira, 28 de novembro de 2017

Em entrevista ao UOL Universa, a Rede Feminista de Juristas avaliou que há pouca informação para que o público possa entender em que cenário a mulher teve o pedido de pensão acolhido, e que a publicação do STJ no Facebook é tendenciosa, introduzindo um discurso político que dá a entender que somente homens pagam pensão às ex-companheiras, ignorando o fato de que ambos detêm obrigação alimentar entre si; para além, o fato de a mulher trabalhar não indica, necessariamente, que ela seja totalmente capaz de se manter. Identifica-se, ainda, que o fato de a mulher estar em um novo relacionamento tenha pesado na decisão, revelando a noção no colegiado de que sua tutela financeira teria sido transferida para o novo parceiro, desobrigando o ex-cônjuge, traduzindo basicamente um retrocesso machista.

A obrigação do ex-cônjuge manter o outro, em caso de necessidade, não significa apenas arcar com gastos básicos, mas também manter o padrão de vida que ambos levavam ao final da relação. No cenário político e de violência atual, é imprescindível o cuidado na construção de notícias e disseminação de ‘exemplos’ para nossa sociedade, como no caso da divulgação da decisão.

Participaram da entrevista as advogadas Thayná Yaredy e Tainã Góís, representando a deFEMde. Confira aqui.

deFEMde aborda aspectos básicos da fertilização in vitro em entrevista

1024 768 Rede Feminista de Juristas

Em entrevista para o site Cadê meu Neném, a Rede Feminista de Juristas – deFEMde abordou alguns aspectos básicos acerca da fertilização in vitro.

A Rede esclarece que a fertilização in vitro é fornecida pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Atualmente não é qualquer hospital do SUS que faz o procedimento, mas há a previsão que sejam destinados recursos financeiros para sua realização, conforme Portaria nº 3.149/12 do Ministério da Saúde. Apenas 6 estados brasileiros contam com hospitais que oferecem FIV grátis.

  • Hospital Maternoinfantil de Brasília (HMIB) – Brasília, DF.
  • Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais – Belo Horizonte, MG.
  • Hospital Nossa Senhora da Conceição SA Fêmina – Porto Alegre, RS.
  • Hospital das Clínicas de Porto Alegre – Porto Alegre, RS.
  • Hospital das Clínicas da FMUSP – São Paulo, SP.
  • Hospital Pérola Byington – São Paulo, SP.
  • Hospital das Clínicas FAEPA – Ribeirão Preto, SP.
  • Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (IMIP) – Recife, PE.
  • Maternidade Escola Januário Cicco – Natal, RN.

Alguns hospitais cobrem a totalidade do tratamento e até os medicamentos, utilizando critérios como o limite de idade, histórico de doenças, como diabetes e cardiopatias, e outros.
É possível acionar o Poder Judiciário para obtenção do procedimento, mas a chance de sucesso é pequena. A maioria dos julgados indicam que a fertilização não representa urgência e/ou emergência a ser tratada pelo Estado, o que acarreta sua inaplicabilidade perante os sistemas de Justiça. Embora seja ideal que nossa sociedade veja o planejamento familiar a partir dos direitos reprodutivos da mulher, o que inclui a possibilidade de tratamento de reprodução assistida, a realidade está muito distante.

Participou da entrevista a advogada Fernanda Murbach, representando a deFEMde. Confira aqui.