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direitos da mulher

deFEMde repudia limitação ao direito de escolha da parturiente

1024 768 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde vem a público manifestar repúdio à proposição legislativa n. 435/2019 , de autoria da Deputada Estadual de São Paulo Janaína Paschoal, por entender que o projeto enfraquece o paradigma da tomada de decisão consciente e falha em promover o direito de gestantes e parturientes às melhores práticas de saúde.
Preocupa-nos, sobretudo, que sua tramitação seja feita às pressas e à revelia da participação das mulheres, deixando de ouvir as principais interessadas e afetadas no assunto – o que fere não apenas as melhores práticas da democracia, como também a integridade do processo legislativo.
Cabe lembrar, primeiramente, que o Estado de São Paulo já possui uma legislação dedicada ao tema. Criada em 2015, pela Assembleia legislativa do estado de São Paulo, ela prevê o direito à assistência médica humanizada, o acesso a informações sobre os métodos e procedimentos eletivos e a proteção da vontade e da tomada de decisão consciente das gestantes.
A Lei 15.759/2015 , construída a partir das vozes de mães, profissionais da saúde e estudiosas da área, institui uma série de direitos às gestantes e deveres aos profissionais de saúde que atuam junto aos serviços públicos que já visam a solucionar os problemas da condição da gestante e parturiente nos equipamentos de saúde.
A existência dessa lei nos faz questionar: por que se faz necessária uma nova lei para proteger um direito já previsto pela legislação atual, que, aliás, sequer é citada no projeto de lei em questão?
Não são poucos os indícios que nos induzem a levantar a hipótese de que, à semelhança de projetos de lei meramente populistas, pouco técnicos e com baixa condição de gerar impacto social, a intenção real por trás do projeto não é solucionar problemas das gestantes e parturientes brasileiras (que, de fato, existem!), senão encampar uma proposta manifestamente ideológica, que ataca àquelas que lutam por novas formas de enxergar o parto e a maternidade.
Um desses indícios é o fato de que o diagnóstico que serve de premissa ao projeto é equivocado: diferentemente da narrativa ali insculpida, dados de agências oficiais demonstram que a cirurgia cesariana já é amplamente e majoritariamente adotada como prática médica no Brasil.

Confira a íntegra da nota aqui.

deFEMde retorna ao Catraca Livre com cartilha antirracismo no carnaval

1024 681 Rede Feminista de Juristas

Pela terceira vez, a Rede Feminista de Juristas – deFEMde é convidada a retornar ao Catraca Livre, desta vez pautando o racismo no Carnaval. O material aborda tópicos como a sexualização da mulher negra e piadas racistas, exemplos corriqueiros de racismo durante a folia, tratando origens e potencial ofensivo para diversas condutas identificadas como racistas, e elabora um guia de boas práticas para combate, tratando formas de denúncia, diferenciação de crimes relacionados ao racismo e outras questões.

Importante lembrar que Racismo é um comportamento social historicamente construído, motivo pelo qual não é possível falar em “racismo reverso” de negros contra brancos, por exemplo. Como é um comportamento e uma crença desenvolvido ao longo de séculos, reforçado por leis e Estados durante anos, o racismo é uma estrutura maior do que simplesmente uma discriminação pontual. 

Em  geral, quem pratica o racismo tende a minimizar seu comportamento, alegando ser brincadeira ou apenas uma piada, valendo-se do argumento da liberdade de expressão para tentar reduzir os impactos de falas danosas. Neste ponto, é importante lembrar que o direito à liberdade de expressão não suprime o direito à igualdade, nem consagra um novo tipo de direito que permita a incitação à discriminação racial.

Essa é uma discussão bastante complexa e amplamente presente dentro dos movimentos negros brasileiros. A objetificação e a estereotipação precisam ser abordadas, questionando-se os seus impactos na vida das mulheres que sofrem com seus efeitos. E no Carnaval, o cenário é tristemente naturalizado, impedindo mulheres racializadas de desfrutarem livremente do feriado.

Confira a íntegra aqui.

deFEMde atua com OEA contra ameaças às políticas de direitos humanos no Brasil

1024 683 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, ao lado de diversas organizações, movimentos sociais e ativistas, participou das visitas da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos – OEA, contribuindo para a construção um diagnóstico coletivo das ameaças às políticas de direitos humanos no Brasil.

É a segunda vez que a comissão vem ao Brasil, apesar de fazer um monitoramento constante à distância —a primeira foi em 1995. Para a visita, a Missão de Observação do órgão contou com diversos relatórios prestados por entidades, coletivos e outras instituições; a deFEMde prestou sua colaboração em relatório de 23 páginas sobre o cenário de violência política e eleitoral durante o ano de 2018, que pode ser conferido aqui.

As visitas realizadas, em estados como Brasília, Minas Gerais, Pará, São Paulo, Maranhão, Roraima, Bahia, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, revelaram preocupações profundas da Missão, que divulgou relatório preliminar antes mesmo de deixar o país, em entrevista coletiva, tratando ainda recomendações sobre as violações a indígenas, quilombolas, moradores de rua, trabalhadores rurais, presos e moradores de favelas e periferias, além de imigrantes, transexuais, defensores dos direitos humanos e à imprensa.

Como destaques dos principais pontos de atenção, a Missão abordou a violência por agentes de segurança e o padrão de impunidade sistemática, a falta de conclusão do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista, o ambiente de discursos de intolerância e ódio contra minorias, a criminalização de movimentos sociais através de lei antiterrorismo, a ausência de políticas públicas para a reforma agrária e acesso à terra.

Para além da contribuição para a importante formação do diagnóstico da Missão e da oportunidade de acompanhar diligências, tratando pontos geopolíticos sensíveis nos locais visitados e a exposição de fragorosas violações de direitos humanos, renovamos nossa esperança ao testemunhar a capacidade coletiva dos movimentos de criar resistências e redes de apoio e de gerar novas formas de sociabilidade baseadas na igualdade, no diálogo democrático e no respeito às diferenças.

Marina Ganzarolli FALA sobre a audiência pública da ADPF 442

1024 683 Rede Feminista de Juristas

Texto originalmente publicado no portal Hysteria. Para ler o original, basta clicar aqui.

Dia 1

Na sexta-feira 3 de agosto aconteceu o primeiro dos dois dias de audiência pública da APDF 442 no Supremo Tribunal Federal (STF). Ela pede a descriminalização e o direito ao aborto até 12ª semana no Brasil. Entidades que defendem a mudança na lei, que hoje prevê prisão de até três anos para as mulheres que recorrem à prática, e entidades que desejam a manutenção dela discursaram aos ministros do supremo em uma salão com cerca de 150 pessoas em Brasília.

O que vimos dentro desta sala no primeiro dia foi de um lado informação e dados – de gente que dedica a vida a pesquisar e estudar o assunto – e do outro argumentos flácidos, quando não mentirosos, daqueles que se dizem pró-vida, mas são, na verdade, pró-morte. Já que os dados são inegáveis: uma mulher morre a cada dois dias vítima de um aborto clandestino no Brasil.

Uma das falas mais fortes e embasadas foi a da pesquisadora Débora Diniz, do Instituto de bioética Anis, grande articuladora desta ação. Além de trazer dados de uma pesquisa extensa sobre o tema, ela conseguiu responder algumas perguntas deixadas pelas falas anteriores, que sem muitos dados ou argumentos levantavam dúvida sobre o número de mortes trazido pelo Ministério da Saúde. Na fala de Débora ficou claro que não se trata de crença ou decisão pessoal, mas sim de uma política pública eficiente para mudar um cenário tenebroso.

Uma exposição que me chamou a atenção foi a do Dr. Raphael Câmara Medeiros Parente, coordenador da residência médica em ginecologia da UFRJ e a favor da manutenção da lei que criminaliza o aborto. Foi vergonhoso. Com parcos argumentos, ele chegou a dizer que as mulheres morrem porque estão sendo atendidas por parteiras e médicos cubanos. Parecia que estava falando em uma mesa de bar, sem argumentos ou referências. O que ele trazia não eram dados, mas sim opiniões pessoais fundamentadas em slides com matérias da Veja como fonte primária. E ele ainda atacou o ministro Luís Roberto Barroso, ali presente, dizendo que a descriminalização do aborto era uma articulação do ministro no Supremo para passar em cima do Congresso, que, no geral, é contra a mudança da lei.

A exposição da parte da manhã que mais comoveu a sala foi com certeza a da Adriana Abreu Magalhães Dias, que falou em nome do Instituto Baresi, e se contrapôs firmemente ao Dr. Raphael. Ele afirmou que a legalização do aborto será usada para se fazer eugenia – seleção genética. Como uma pessoa com deficiência, Adriana tomou seu lugar de fala e de quem estuda o assunto para dizer que as mulheres com deficiência querem e devem ter esse direito de escolha. Foi comovente e a primeira a ser efusivamente aplaudida pelos presentes. Muitos choraram. Ela falou inclusive da dificuldade de ficar em pé para a fala, porque não havia cadeira para os expositores. De fato o lugar não está preparado para pessoas com deficiência. Imediatamente a ministra Rosa Weber pediu para que se colocasse uma cadeira, mas Adriana conseguiu mostrar dificuldade de nos colocarmos no lugar do outro, de ter empatia, incluindo os ministros e organizadores da audiência, e voltando ao tema do dia, porque devemos ouvir quem é de fato atingido pela legalização. 

Uma coisa que me chamou a atenção foi a perigosa associação entre de aborto e feminicídio feita por Lenise Aparecida Martins Garcia. Os argumentos eram duvidosos e sem embasamento. Fora isso, ela mostrou um vídeo da National Geographic falando o quanto o feto já tem todas as funções a partir de determinada idade. Nesta hora, ela tinha na mão um boneco de um feto com 12 semanas e, ao mesmo tempo, algumas pessoas da plateia levantaram bonecos semelhantes.

Me indignei e me dirigi à segurança. Vejam, na entrada da audiência tivemos confiscados adesivos e até os pequenos lenços verdes (do movimento argentino). Se tive meu lencinho recolhido por que “ali não era permitida nenhuma manifestação”, o feto também não deveria ter entrado. Na hora todos os bonecos foram recolhidos.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados

Marina Ganzarolli

Uma coisa que achei impactante nas falas de quem diz defender a vida é que eleas questionam os dados, sempre colocando suas experiências de trabalho pessoais. Escutamos várias pessoas dizerem: “Na minha prática não é isso que vemos.” Mas muitas dessas “práticas” são de nicho, por exemplo, de uma região específica de São Paulo. Chega a ser absurdo essas pessoas serem o contraponto de gente que tem dados sólidos de anos de pesquisa pelo Brasil –  e pelo mundo. Porque à tarde tivemos diversas falas internacionais.

Neste sentido, as falas de duas canadenses trouxeram dados comparativos e do impacto da legalização do aborto não só para a diminuição das mortes das mulheres, como também para a diminuição da busca pelo aborto. Porque, como muita gente expôs, quando você atende essa mulher na fase crítica (momento do aborto) tem a chance entender o motivo pelos quais os métodos contraceptivos não foram usados, podendo trabalhar essa questão de forma ampla.

Neste primeiro dia de debate não tivemos os argumentos religiosos, que vêm com força na segunda-feira. O que vimos foram falas como a de Rosemeire Santiago, do Centro de Reestruturação para a Vida, por exemplo, que puxou para o emocional. Ela disse que ajudam as mulheres a escolher, mas o que fazem é um trabalho de persuasão para que não abortem. Disse que acolhem, abraçam. E então ela colocou um menino que teria sido abortado (mas não foi) para tocar violino. O trabalho pode até ser bonito e funcional, mas o que estamos falando aqui é sobre aquelas que mesmo depois de pensar muito ou se aconselhar com entidades como a de Rosemeire decidem abortar, certo? Elas não podem. Então, a pergunta que fica é: que escolha é essa?

Na parte da tarde a segurança relaxou um pouco e vimos mais manifestações. Mais palmas, mais reações. Mas isso não aumentou a tensão. Foi tudo muito solene e respeitoso como o ambiente do STF pede. Eu, sinceramente, achei que ia ser muito mais Fla x Flu. Vale pontuar que os ministros Barroso, Carmem e Lewandowski passaram pela audiência mas não ficaram o tempo todo. Ao que parece está tudo nas mãos da Rosa mesmo.

A exposição da Rede Feminista de Juristas, da qual faço parte, foi conjunta com o Coletivo Margarida Alves de Assessoria Popular, o Criola, o Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, o Grupo Curumim Gestação e Parto e o Centro Feminista de Estudos e Assessoria e foi super emocionante pra nós. Conseguimos chegar ali e isso nos toca. Só foi uma pena que de lá de dentro não dava para ouvir o movimento Nem Presa Nem Morta que estava nos apoiando do lado de fora. Mas a caminhada do museu onde elas assistiram à audiência até o STF foi linda. Eu vi o vídeo.

O balanço do primeiro dia é que do ponto de vista argumentativo e técnico não há dúvida sobre o caminho a ser seguido e a APDF 442, que pede o direito ao aborto até a 12ª semana, deveria ser aprovada sem muita celeuma. Mas estamos no Brasil e sabemos que não bastam dados. Então, o que imaginamos, é que o Supremo deve engavetar o processo por um tempo, talvez uns dois anos, para depois julgar. É assim que eles têm feito. Se pegarmos o exemplo da legalização do aborto para fetos anencéfalos, vemos que a ação é de 2004, a audiência pública aconteceu em 2008 e o julgamento, que liberou o aborto nesses casos, foi em 2012. Estamos até no lucro, porque agora esperamos apenas um ano pela audiência.

E este é um momento de parabenizar a guerreira Débora Diniz, que não à toa estava muito emocionada. Pensem que foi essa mulher que articulou tudo isso, mesmo sendo duramente perseguida e ameaçada, ela se manteve firme, ética e focada. Nos espelhemos nela e sigamos com respeito, ética e claro, pró-vida das mulheres.

Dia 2

O dia começou muito cedo na segunda-feira 6 de agosto. Teve uma vigília linda do Nem Presa Nem Morta desde as 5h pelo direito de as mulheres escolherem seu destino.  

Do lado de dentro, a segunda e última rodada da audiência pública que discutiu a descriminalização do aborto foi muito disputada. O quarto andar, que transmite o debate para quem está no prédio mas não coube na sala, estava lotado. Ali, não há controle das manifestações. E como havia muitos religiosos neste espaço, quando a expositora do Católicas pelo Direito de Decidir terminou sua fala, o pessoal gritou: “Excomunga, ela! Excomunga, ela!” Mesmo no plenário o clima estava mais quente, muito pela presença de representantes religiosos e seus argumentos que desconsideram a ciência e as pesquisas, e ficam em cima de histórias pessoais que questionam a constitucionalidade da audiência.

Muitos, como a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil, disseram que este não é o ambiente adequado para a discussão, que deveria ser feita no Congresso ou através de um referendo. Ao meu ver essas manifestações foram um tiro no pé. Tanto que logo após a fala do representante da CNBB a ministra Carmem Lúcia repreendeu esse tipo de argumento com muita contundência, deixando claro que é fundamental para a democracia que se sigam os ritos da lei e que o que se estava fazendo ali era atender a um anseio social, tudo dentro da constitucionalidade.

Muitas das falas contra o aborto atacaram o STF, o que do ponto de vista democrático é um absurdo. Soava como a mais pura falta de argumento. Fora a fala das católicas pelo direito de decidir, tivemos a fala da representante das evangélicas pela legalização do aborto e de um rabino – ambos trouxeram à luz da religião argumentos de acolhimento e pró-vida das mulheres. O rabino disse uma frase muito forte: “Podemos estar com elas ou sem elas. Porque essa mulher vai realizar o aborto.” Ele termina pontuando que essa mulher é também judia, católica e evangélica.

Uma associação muito complicada foi feita entre crimes ambientais e a “proteção da natureza humana”. Questionou-se até que se protegemos os ovos das tartarugas, por que não proteger os “ovos do homem”. Nem preciso dizer que o plenário, cheio de feministas, veio abaixo nessa hora.

Até mesmo a jurista católica e a jurista evangélica deram depoimentos muito pouco técnicos. Angela Gandra e Edna Zilli falaram muito de experiências pessoais, preceitos religiosos e usaram argumentos jurídicos do século XIX. Uma delas associou de forma irresponsável (classista e racista) os bailes funks e o aborto. Mas sabemos através de pesquisas sérias que as mulheres que abortam não são meninas e sim adultas, casadas e muitas vezes já mães.

Algumas pessoas disseram que em países que legalizaram o aborto houve aumento da procura pela prática, mas na sexta-feira este argumento já havia sido derrubado: há, sim, um aumento no número de abortos logo após a legalização, até porque os números anteriores não eram exatos, mas em pouco tempo esses números caem drasticamente.

A Conectas, o Conselho Nacional de Direitos Humanos e as Clínicas de Direitos Humanos da Uerj e da USP trouxeram todos os pactos internacionais de direitos humanos dos quais o brasil é signatário e que não estão em consonância com essa lei que criminaliza a mulher que quer abortar. Logo na sequência dessas duas falas ponderadas tivemos que escutar o senador Magno Malta com argumentos absurdos, como por exemplo: “Se você tem autonomia sobre seu corpo, corte seu dedo ou seu cabelo, mas não corte a vida.” Ele falou inclusive que o Código Penal deveria ser revisto para que a pena para as mulheres que abortam fosse aumentada e não extinguida. Ainda fez um ataque direto à ministra Rosa Weber, falando de “seu ativismo judicial”, e foi mais longe: afirmou que ele foi um dos que a aprovaram quando foi sabatinada para a entrada no STF. A cobrança pública foi intimidatória, para dizer o mínimo. Ele falou como se ela devesse algo e disse que essa deveria ser uma decisão do Congresso – aliás, muita gente disse isso, ignorando a fala de Carmem Lúcia no início do dia.

Uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada

Marina ganzarolli

Um ponto interessante: o senador Magno Malta não assistiu a nenhuma das outras falas, chegou para a sua exposição e já ia saindo logo em seguida. Foi a ministra Rosa Weber que pediu para ele aguardar um instante. E então fez um aparte para ler o artigo constitucional que concede a competência ao STF para julgar ação de descumprimento de preceito fundamental. Engraçado que tempo para dar entrevista do lado de fora ele teve, mas participar da discussão e ouvir, parece que não cabe na agenda.

No meio da tarde tivemos a fala de Janaína Pascoal, que usou uma linha argumentativa temerária e distorcida. Ela afirmou que com a legalização do aborto as mulheres vão ficar mais vulneráveis porque os homens vão abandoná-las ainda mais. O momento em que a plateia mais rechaçou sua exposição foi quando ela disse que as jovens precisam ser estimuladas a iniciar sua vida sexual mais tarde. Ou seja, ela responsabilizou as mulheres pela gravidez e focou mais uma vez na juventude, ignorando os dados de que a mulher que aborta não é em sua maioria adolescente.

Em contrapartida, uma das exposições que levantaram o plenário e foram uma chama de lucidez no dia foi a da pastora Lusmarina Campos, do Instituto de Estudos da Religião. Ela citou a Bíblia para falar de acolhimento às mulheres, lembrando que Maria Madalena foi perdoada por Jesus quando estava prestes a ser apedrejada. Disse claramente que se Jesus estivesse aqui perdoaria essas mulheres. Neste momento, as evangélicas contra o aborto dizem todas: “Não está mais”, insinuando que se Jesus não está aqui para dizer isso, então ela não pode dizer. Foi lembrado também que o aborto só passou a ser condenado pela religião católica depois de muito tempo como prática usada de forma ampla sob as barbas da igreja.

Muita gente disse ao microfone que é mentira que as mulheres são criminalizadas por fazer aborto no Brasil, mas Eleonora Nacif, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ressaltou que ainda na semana passada participou de um júri em que mulheres estavam sendo julgadas e condenadas por fazer aborto.

Vale pontuar que a segunda mulher negra a pegar o microfone, já às 18h da segunda-feira, foi Charlene da Silva Borges, da Defensoria Pública da União. Ela fez questão de dizer que muito se falou das mulheres negras, mas que agora ela estava aqui para falar, de fato, por elas. E o que disse foi que a vida das mulheres negras importa e trouxe dados de que são elas as que mais sofrem com a política atual. Foi uma fala muito emocionante e em primeira pessoa.

Tanto as defensorias públicas do Rio de Janeiro como a de São Paulo também deram uma personificada e humanizada no discurso, com histórias de mulheres que foram denunciadas e processadas por fazer aborto. A defensora carioca, Lívia Miranda Casseres, também uma mulher negra, frisou inclusive que até o aborto previsto em lei no Brasil não está sendo realizado porque existe estigma moral e uma espécie de boicote ideológico ao sistema. Ela encerrou sua fala com um poema de Conceição Evaristo que emocionou a plateia.

Um dos últimos a falar foi o Procurador do Estado do Sergipe, muito aplaudido pelos religiosos presentes. Ele botou até batimento cardíaco de feto na roda e apelou para argumentos anteriormente já desconstruídos, como por exemplo o fato de o embrião ter vida desde que é uma simples célula. Aprendemos em falas anteriores que todas as células têm vida, portanto isto não pode ser usado como argumento. Ele também falou que se vamos ao médico e pedimos para ele tirar o nosso braço ele não tira porque é prejudicial à vida, então não podemos pedir para nenhum médico tirar o embrião. Durmam com essa.

A jornada foi intensa e cheia de altos e baixos, mas é importante dizer que com Congresso ou sem Congresso, com STF ou sem STF, nós mulheres cis, trans, lésbicas, negras, brancas, juristas, da saúde, domésticas e quem mais quiser se juntar seguiremos organizadas para continuar lutando pelos direitos sexuais e reprodutivos da mulher e pela autonomia sobre nossos corpos. Queremos liberdade e o direito de escolha de quando, como e com quem queremos ser mães.

deFEMde vai ao STF por direitos reprodutivos

1024 683 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde protocolou pedido para participação em audiência pública realizada no âmbito da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, que requer a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos do Código Penal que tratam o aborto, por violarem a dignidade das mulheres.

Uma das pautas históricas do movimento feminista se refere à autonomia sobre o próprio corpo. A atuação da Rede Feminista de Juristas se insere nessa trajetória coletiva pelo respeito a essa autonomia. E não poderia ser diferente: o desrespeito sistemático aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres é perceptível, se expressando em diversas violências com as quais nos deparamos no cotidiano da nossa atuação. Fica evidente, para nós, o quanto o controle do corpo das mulheres e de pessoas transexuais pelo Estado e pela sociedade produz violências cotidianas que afetam os mais diversos grupos sociais. 

Embora seja um procedimento ilegal, dados indicam que uma em cada cinco mulheres de até 40 anos já tenham realizado um aborto. O aborto seguro, no entanto, é acessado apenas por pessoas que podem custear o procedimento no mercado ilegal. Como consequência, são as mulheres mais marginalizadas e pobres que estão sujeitas a realização do aborto de forma precária e insegura, correndo risco complicações severas e de morte. O aborto, assim, acaba sendo, ilegal e perigoso para quem é pobre, pois quem tem poder econômico consegue acessar um procedimento seguro. Estudos da Organização Mundial de Saúde apontam que é esse o efeito da criminalização: o aumento da insegurança aos corpos de mulheres socialmente vulneráveis. Diferentemente do que se reproduz no senso comum, criminalizar não diminui o número de procedimentos realizados.

É por tais motivos que é urgente tratar essa matéria como questão de saúde pública: é um basta para que esses corpos não estejam mais condenados à insegurança e à morte. É por isso que defendemos a legalização do aborto, seguro e gratuito. O direito ao aborto é objeto de disputas políticas em diversas arenas institucionais. No Congresso, há mais de 30 proposições legislativas que versam sobre o tema, sendo que a maioria delas busca restringir ainda mais a autonomia das mulheres.

A deFEMde apresentará à corte, em conjunto com outros grupos feministas, arguições que justificam a necessidade de se descriminalizar o aborto. Não é possível, no entanto, prever em que momento a ação será julgada pelo Tribunal. E, ainda que haja uma decisão pela descriminalização do aborto, ela não garante que haja a implementação de políticas públicas que garantam o direito ao aborto seguro e gratuito.

Para que o Estado mude sua postura perante o problema e garanta, de forma plena e alinhada a uma visão de proteção à dignidade das mulheres, o direito ao aborto, é fundamental que se promova uma conscientização ampla sobre o que, de fato, esse direito significa.

Seguimos deFEMdendo.

deFEMde lança cartilha antiassédio para o Carnaval com Catraca Livre

1024 681 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, a convite do Catraca Livre, fez uma cartilha especial sobre o que fazer caso você seja vítima ou presencie um caso de assédio sexual durante o Carnaval.
O assédio contra mulheres envolve uma série de condutas ofensivas à dignidade sexual, que desrespeitam sua liberdade e integridade física, moral ou psicológica, o que impede uma festa livre, saudável e benéfica para todes.

É importante que se tenha consciência de que onde não há consentimento, há assédio, independentemente de qual roupa você vista, de que modo você dance ou quantas e quais pessoas você decidiu beijar (ou não beijar): nenhuma dessas circunstâncias autoriza ou justifica o assédio.
Insinuar que a culpa da violência sofrida pode ser da própria vítima faz com que muitas mulheres não busquem ajuda por medo de serem culpabilizadas. Além disso, tais afirmações diminuem a responsabilidade do agressor, como se ele fosse incapaz de controlar seu próprio comportamento.

Com a plena ciência destas premissas, a deFEMde aborda alguns aspectos básicos para o combate ao assédio na maior festa do Brasil, contribuindo para uma sociedade livre, justa e solidária. Confira a íntegra aqui.

deFEMde oficia Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados sobre PLs na Campanha 16 Dias de Ativismo

1024 684 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde oficiou a Secretaria ​da ​Mulher ​da ​Câmara ​dos ​Deputados para tratar projetos de lei pré-selecionados para aprovação em plenário na Câmara dos Deputados em razão da Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, alertando para propostas que contradizem o próprio espírito da Campanha e que ainda necessitam melhorias antes de serem votados.

O ofício pautou avanços e retrocessos legislativos em seis eixos temáticos, separando quais deveriam ser levados a plenário e quais não deveriam, destacando seus principais fundamentos. Entre os pontos de atenção, destacam-se o PL PL 3368/2015, que criminaliza o assédio moral no trabalho, temática que deve ser enfrentada por estratégias de prevenção e construção de um ambiente de trabalho que favoreça o diálogo, a participação, a transparência e a equidade de gênero; o PL 1219/2011, que trata o pagamento de salário-maternidade em caso de micro e pequenas empresas com 10 (dez) ou menos empregados e e tem viabilidade comprometida pela instabilidade dos Regimes de Previdência e de Seguridade Social; e o PL 7181/2017, que institui o programa Patrulha Maria da Penha, pois não basta a fiscalização e proteção apenas da mulher vítima de violência, mas também da sua residência, família e demais pessoas do convívio. Ademais, as medidas previstas na lei encontrarão dificuldades de implementação, em decorrência do despreparo e falta de sensibilização das instituições de Segurança Pública e devido ao custo para a manutenção de tal patrulha.

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde aproveitou ensejo para parabenizar a Casa Legislativa pelo debate do PL 4972/2013, que institui o uso de monitoramento eletrônico (tornozeleira) como meio de fiscalizar o cumprimento das medidas protetivas de urgência; o PL 4614/2016, que atribui à Polícia Federal a competência investigatória de crimes cibernéticos de conteúdo misógino, ou seja, aqueles que propagam o ódio ou a aversão às mulheres; e o PL 5304/2016, que permite o saque do saldo do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) quando a mulher trabalhadora estiver em situação de violência doméstica.

Confira a íntegra do ofício aqui.

deFEMde participa de relatório para a ONU sobre violência de gênero na Internet

560 292 Rede Feminista de Juristas

Fórum da Internet no Brasil lançou o relatório “Violências de Gênero na Internet: diagnósticos, soluções e desafios”, enviado à Relatora Especial da ONU sobre violência contra a mulher. Sistematizado pela Coding Rights e pelo InternetLab, o relatório é fruto de contribuições de uma rede de organizações, coletivos, advogadas, juristas e ativistas defensoras de Direitos Humanos, direitos digitais e direitos sexuais e reprodutivos do Brasil, com os objetivos de fazer um diagnóstico sobre as diferentes formas de violência verificadas nos meios digitais, levantar as soluções disponíveis na legislação e suas lacunas e mapear os desafios para combate em um contexto social marcado pelo machismo e racismo estrutural.

O documento é assinado por Blogueiras Negras, Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Intervozes, Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença da Universidade de São Paulo, OLABI MakerSpace, Rede Feminista de Juristas – deFEMde, MariaLab Hackerspace, Paixão Fiorino Advogados, Ellen Paes – ativista, Celeste Leite dos Santos – Diretora da Mulher da Associação Paulista do Ministério Público, Artigo 19 Brasil, e Gênero e Número, e recebeu e apoio da Fundação Ford Brasil e Association of Progressive Communications – APC.

Confira o relatório completo aqui.

deFEMde critica decisão que revoga pensão de mulher após novo trabalho e relacionamento

1024 767 Rede Feminista de Juristas

O Superior Tribunal de Justiça revogou pagamento da pensão alimentícia, afirmando que o “fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas“. A mudança de condição financeira da parceira e o fato de ela ter iniciado uma nova relação afetiva serviram como justificativas para a suspensão. A página do órgão no Facebook publicou a decisão em tom comemorativo,, e em linguagem que dava a entender que a decisão era válida para todos casos similares.

O fim de uma relação amorosa deve estimular a independência de vidas. O dever de prestar alimentos entre ex-cônjuges é…

Publicado por Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Terça-feira, 28 de novembro de 2017

Em entrevista ao UOL Universa, a Rede Feminista de Juristas avaliou que há pouca informação para que o público possa entender em que cenário a mulher teve o pedido de pensão acolhido, e que a publicação do STJ no Facebook é tendenciosa, introduzindo um discurso político que dá a entender que somente homens pagam pensão às ex-companheiras, ignorando o fato de que ambos detêm obrigação alimentar entre si; para além, o fato de a mulher trabalhar não indica, necessariamente, que ela seja totalmente capaz de se manter. Identifica-se, ainda, que o fato de a mulher estar em um novo relacionamento tenha pesado na decisão, revelando a noção no colegiado de que sua tutela financeira teria sido transferida para o novo parceiro, desobrigando o ex-cônjuge, traduzindo basicamente um retrocesso machista.

A obrigação do ex-cônjuge manter o outro, em caso de necessidade, não significa apenas arcar com gastos básicos, mas também manter o padrão de vida que ambos levavam ao final da relação. No cenário político e de violência atual, é imprescindível o cuidado na construção de notícias e disseminação de ‘exemplos’ para nossa sociedade, como no caso da divulgação da decisão.

Participaram da entrevista as advogadas Thayná Yaredy e Tainã Góís, representando a deFEMde. Confira aqui.

deFEMde questiona proposta de alterações na Lei Maria da Penha

1024 409 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde critica duramente as alterações em curso na Lei Maria da Penha, constantes no recém aprovado Projeto de Lei da Câmara nº 7, de 2016, que não levam em conta a realidade nas delegacias brasileiras, onde, comumente, as mulheres em situação de violência são desacreditadas e até mesmo desestimuladas a pedir uma medida protetiva ou dar andamento a uma ação penal.

Além disso, tais mudanças podem criar barreiras para que elas levem suas demandas ao Judiciário, tornando-as muito mais vinculadas à decisão da autoridade policial. A polícia, por estar incumbida de outras atribuições e por não ter contingente suficiente para cuidar especificamente dos casos de violência doméstica, pode não tratar as peculiaridades do caso concreto com o devido cuidado.

O projeto, enfim, ignora o parecer de entidades que atuam em defesa da mulher, contrariando a própria essência de participação popular que levou à criação da Lei Maria da Penha. A nota acima foi veiculada na reportagem do Programa Bom Dia Brasil.

Para mais informações sobre os problemas do Projeto, recomendamos a leitura do artigo “Alterações em curso na Lei Maria da Penha prejudicam mulheres”, de autoria de Stela Silva Valim, advogada criminalista e membra da Rede Feminista de Juristas (deFEMde), e publicado no Justificando: