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Exame de Ordem

deFEMde questiona OAB por identificar feminismo como ideologia de gênero em prova

1024 682 Rede Feminista de Juristas

Rede Feminista de Juristas – DeFEMde – e o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – NUDEM – manifestam o seu repúdio à questão inserida na disciplina Direitos Humanos, constante da 1ª fase da prova do XXI da OAB, realizado no último domingo (27/11/2016) e organizada pela FGV Projetos.

O enunciado da questão foi formulado nos seguintes termos:

“Questão 22
Maria é aluna do sexto período do curso de Direito. Por convicção filosófica e política se afirma feminista e é reconhecida como militante de movimentos que denunciam o machismo e afirmam o feminismo como ideologia de gênero. Após um confronto de ideias com um professor em sala de aula e de chamá-lo de machista, Maria é colocada pelo professor para fora de sala e, posteriormente, o mesmo não lhe dá a oportunidade de fazer a vista de sua prova para um eventual pedido de revisão da correção, o que é um direito previsto no regimento da instituição de ensino.”

O gabarito preliminar aponta como correta a resposta em que se afirma que Maria sofreu “privação de direito por convicção político-filosófica”, e que caberia à instituição assegurar à aluna revisão de prova.

Muito embora pretenda reconhecer na situação hipotética descrita uma violação de direitos, a questão é merecedora de críticas.

Primeiro, o texto do enunciado não deixa claro o motivo do confronto de ideias entre Maria e o professor, e nem se a negativa de revisão da prova se deu, de fato, por discordância político-filosófica entre eles, o que impede a conclusão objetiva de que houve privação de direito por motivação político-filosófica. Além de exigir que as candidatas e candidatos lancem mão de especulações subjetivas sobre a narrativa para resolução da questão (o que, de per si, já seria questionável em uma prova de múltipla escolha), a discussão proposta pouco contribui para fomentar a reflexão e o pensamento crítico das futuras advogadas e advogados na temática dos direitos das mulheres.
No entanto, parece-nos ainda mais grave o erro conceitual contido no enunciado ao identificar “feminismo” com afirmação de “ideologia de gênero”.

Os feminismos, em suas várias vertentes e propostas, correspondem aos movimentos político-sociais que militam em defesa da igualdade de direitos entre mulheres e homens. O termo “ideologia de gênero” foi cunhado e vem sendo mobilizado pejorativamente por setores sociais que se apresentam em oposição a movimentos sociais que propõem discutir criticamente as variantes históricas e culturais dos papéis socialmente atribuídos a mulheres e homens.

Portanto, é conceitualmente incorreto o trecho do enunciado que se refere a “movimentos que denunciam o machismo e afirmam o feminismo como ideologia de gênero”.
A assertiva não faz sentido algum.

Sem dúvida é louvável a iniciativa de inserir os problemas levantados pelos estudos de gênero dentre as questões de Direitos Humanos em uma prova direcionada aos bacharéis em Direito que pretendem exercer a advocacia. Mas se faz urgente avançar na qualidade do debate e no conhecimento bibliográfico dos temas propostos, bem como saber identificar quais são as demandas propostas perante o sistema de justiça envolvendo o tema, de modo a tornar o Exame da OAB um instrumento hábil para avaliar a capacidade de reflexão crítica de candidatas e candidatos.