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deFEMde debate perspectiva feminista do #8M no meio jurídico

1024 576 Rede Feminista de Juristas

A Rede Feminista de Juristas – deFEMde, retomando atividades presenciais, realiza nesta semana o debate “ADVOGADAS E DEFENSORAS DE DIREITOS: pensar o dia das mulheres sob uma perspectiva feminista”, na Câmara Municipal de São Paulo.

O evento, que terá lugar na Sala Sérgio Vieira de Mello, busca contribuir para pensar os tipos de eventos voltados para advogadas e defensoras de direitos por ocasião do Dia Internacional da Mulher, o 8 de março, considerando a questão de gênero como estruturante da formação das mulheres e do mercado de trabalho, e tratará questões de representatividade e interseccionalidade.

Há especial preocupação em abordar questões que atingem diretamente advogadas, advogades e defensores de direitos no escopo de atividades e no cuidado que se tem com estas pessoas no mercado de trabalho, que envolve a chamada alta performance (com palestras, oficinas, confecção de livros e outros), como síndrome de impostora, gatilhos em atendimento, relações de hierarquia e assédio dentro e fora do ambiente de trabalho, dentre outros.

Para este debate, contaremos com a presença de Beatriz Borges Brambilla, psicóloga, mestra em Psicologia da Saúde e doutora em Psicologia Social; Maria das Graças Perera de Melo, advogada, militante feminista, deFEMder, co-fundadora e ex-presidente da Comissão da Mulher da OAB-SP; Anna Lyvia Ribeiro, advogada e Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB-SP; e Tainã Gois, advogada, deFEMder, mestre e doutoranda em Direito do Trabalho.

Este encontro, que terá formato híbrido, ocorre em 16/03/2023, às 09:00, e foi organizado pelas deFEMders Amanda Vitorino, Beatriz Ricci e Elaini Silva. Inscrições podem ser realizadas por este link até às 14:00 de 15/03/2023.

A Câmara Municipal de São Paulo fica localizada no Centro Histórico da cidade, entre as estações Anhangabaú e Sé do metrô. O endereço completo é Viaduto Jacareí, 100, 1º subsolo, Bela Vista, São Paulo, SP – CEP 01319-900. Veja como chegar via Google Maps.

deFEMde questiona OAB por identificar feminismo como ideologia de gênero em prova

1024 682 Rede Feminista de Juristas

Rede Feminista de Juristas – DeFEMde – e o Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Estado de São Paulo – NUDEM – manifestam o seu repúdio à questão inserida na disciplina Direitos Humanos, constante da 1ª fase da prova do XXI da OAB, realizado no último domingo (27/11/2016) e organizada pela FGV Projetos.

O enunciado da questão foi formulado nos seguintes termos:

“Questão 22
Maria é aluna do sexto período do curso de Direito. Por convicção filosófica e política se afirma feminista e é reconhecida como militante de movimentos que denunciam o machismo e afirmam o feminismo como ideologia de gênero. Após um confronto de ideias com um professor em sala de aula e de chamá-lo de machista, Maria é colocada pelo professor para fora de sala e, posteriormente, o mesmo não lhe dá a oportunidade de fazer a vista de sua prova para um eventual pedido de revisão da correção, o que é um direito previsto no regimento da instituição de ensino.”

O gabarito preliminar aponta como correta a resposta em que se afirma que Maria sofreu “privação de direito por convicção político-filosófica”, e que caberia à instituição assegurar à aluna revisão de prova.

Muito embora pretenda reconhecer na situação hipotética descrita uma violação de direitos, a questão é merecedora de críticas.

Primeiro, o texto do enunciado não deixa claro o motivo do confronto de ideias entre Maria e o professor, e nem se a negativa de revisão da prova se deu, de fato, por discordância político-filosófica entre eles, o que impede a conclusão objetiva de que houve privação de direito por motivação político-filosófica. Além de exigir que as candidatas e candidatos lancem mão de especulações subjetivas sobre a narrativa para resolução da questão (o que, de per si, já seria questionável em uma prova de múltipla escolha), a discussão proposta pouco contribui para fomentar a reflexão e o pensamento crítico das futuras advogadas e advogados na temática dos direitos das mulheres.
No entanto, parece-nos ainda mais grave o erro conceitual contido no enunciado ao identificar “feminismo” com afirmação de “ideologia de gênero”.

Os feminismos, em suas várias vertentes e propostas, correspondem aos movimentos político-sociais que militam em defesa da igualdade de direitos entre mulheres e homens. O termo “ideologia de gênero” foi cunhado e vem sendo mobilizado pejorativamente por setores sociais que se apresentam em oposição a movimentos sociais que propõem discutir criticamente as variantes históricas e culturais dos papéis socialmente atribuídos a mulheres e homens.

Portanto, é conceitualmente incorreto o trecho do enunciado que se refere a “movimentos que denunciam o machismo e afirmam o feminismo como ideologia de gênero”.
A assertiva não faz sentido algum.

Sem dúvida é louvável a iniciativa de inserir os problemas levantados pelos estudos de gênero dentre as questões de Direitos Humanos em uma prova direcionada aos bacharéis em Direito que pretendem exercer a advocacia. Mas se faz urgente avançar na qualidade do debate e no conhecimento bibliográfico dos temas propostos, bem como saber identificar quais são as demandas propostas perante o sistema de justiça envolvendo o tema, de modo a tornar o Exame da OAB um instrumento hábil para avaliar a capacidade de reflexão crítica de candidatas e candidatos.

Dos Ministérios ao Judiciário, precisamos de mais mulheres feministas no Direito

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A “primavera feminista brasileira”, que desabrochou ao longo de 2015, deu visibilidade à luta das mulheres no Brasil. O desafio agora é transportar e representatividade virtual para a realidade jurídica do país. Do mundo virtual às ruas, as mulheres e suas vozes ganharam mais espaço na esfera pública. As hashtags “‪#‎meuamigosecreto‬” e “‪#‎meuprimeiroassédio‬” levaram milhares de mulheres a compartilhar suas histórias de violência sexual e psicológica nas redes sociais. Com a campanha “Agora é que são elas”, de expressiva repercussão, ficou evidente a ausência de mulheres em espaços editoriais e na imprensa. Da mesma forma, o Projeto de Lei Nº 5069/2013, que dificulta o acesso de vítimas de estupro ao atendimento básico de saúde, apresentado apenas por parlamentares homens, levou 15 mil mulheres a saírem às ruas de São Paulo pela defesa de seus direitos e pela descriminalização e legalização do aborto.

Já em 2016, foram significativos os variados episódios de machismo que ganharam notoriedade em nossa sociedade, mostrando que a luta feminista não se faz necessária apenas para garantir a continuidade dos direitos já conquistados pelas mulheres, mas também para impedir o seu retrocesso – risco iminente na atual conjuntura política brasileira.

Assistimos a reiterados episódios de violência contra a mulher, como o feminicídio racista e lesbofóbico de Luana dos Reis, cometido pela Polícia Militar em Ribeirão Preto/SP, que deu nome e rosto à violência cotidiana praticada contra as mulheres, notadamente negras e periféricas. A juíza da vara de violência doméstica do Fórum do Butantã, em São Paulo, Tatiane Moreira de Lima, foi feita refém por um homem acusado de crimes de violência contra sua ex-companheira. Acompanhamos a intensa desqualificação pessoal e chacota pública a que foi submetida a advogada e professora Janaína Paschoal por sua atuação e discurso no processo de impeachment – do qual, pontue-se, discordamos frontalmente.

Com efeitos sistêmicos, a temerária execração pública da maior autoridade do país, a presidenta Dilma Rousseff, é motivada essencialmente por ela ser mulher.Não queremos dizer que toda a crítica ao seu governo é uma crítica machista, mas sim que o machismo perpassou o tratamento institucional e midiático de sua imagem e da sua atuação política, tanto no discurso de apoiadores do governo quanto de opositores, e que esse tratamento foi o que enfraqueceu sua condição de chefe do Executivo, com perdas irreparáveis para a democracia.

A presidenta foi constantemente reduzida a estereótipos que o patriarcado faz da mulher, seja na sua função familiar, conforme a divisão sexual do trabalho (a “Dilmãe”), seja em sua função social de objeto sexual, o que resultou em abomináveis adesivos para carros, nos quais aparecia com pernas abertas em posição de alvo das bombas de gasolina. O machismo sofrido por Dilma contou com exemplos de todos os partidos, mostrando ser muito mais profundo do que as divisões ideológicas ou de classe.

A misoginia, focada na figura da presidenta, pôs em andamento o golpe de Estado que rompe com o programa político escolhido nas urnas e atenta contra a primeira mulher que chegou a esta posição em nossa história – um rompimento liderado por homens brancos, de elite, conservadores, cisgêneros, declaradamente heterossexuais e dissociados das pautas da juventude. Não é surpreendente que um dos primeiros atos do governo interino tenha sido, justamente, a extinção do Ministério de Mulheres, Direitos Humanos e Igualdade Racial.

Estes eventos não podem ser analisados isoladamente, pois são resultado das premissas misóginas e patriarcais que fundam e mantêm nossa sociedade, o direito e a política. É nesse contexto que mulheres atuantes nas mais diversas áreas do mundo jurídico decidiram criar a Rede Feminista de Juristas.

O QUE QUEREMOS?

A Rede Feminista de Juristas entende que o positivismo e a dogmática tradicional não conseguem tratar a discriminação das mulheres nem oferecer segurança e confiança para que as vítimas de violações de seus direitos obtenham reparação. Avaliamos que não existe o reconhecimento bastante de que a condição da mulher é diferente da do homem, nem no ordenamento, nem na prática jurisdicional e/ou legislativa, nem na política.

Nessa linha, defendemos e atuamos para que o direito incorpore a análise das relações machistas que subsumam a condição da mulher perante todas as instituições, adote uma perspectiva alternativa à dogmática tradicional e seja utilizado como ferramenta de emancipação e não de subjugo das mulheres.

A DeFEMde não compactua com a ilusão de neutralidade dos operadores do direito, pois deixar de abordar a discriminação contra as mulheres não a elimina; pelo contrário, a reforça. Entendemos que o direito deve ser utilizado para atingirmos uma sociedade mais justa e igualitária, o que só é possível por meio da maior participação das mulheres em posições de poder e liderança, na produção, na aplicação e na avaliação do direito.

Concretamente, queremos mais mulheres feministas em carreiras públicas, escritórios de advocacia, cargos políticos e na academia, com base na percepção de que a desigualdade de poder entre homens e mulheres tem origem estrutural.

O QUE FAZEMOS?

Nos reunimos, em um primeiro momento, para trocas de experiências pessoais relacionadas à misoginia: violências às quais nós somos diariamente submetidas no exercício de nossas carreiras. Trata-se de situações como homexplicando (postura de homens que subestimam nossos conhecimentos) e casos de assédio sexual por orientador de pós-graduação, ou até episódios de violência e violações aos quais são submetidas mulheres que nos procuram em busca de orientação jurídica.

As correspondências que firmamos nos inspiraram a criar a DeFEMde para que possamos criar juntas estratégias e teses jurídico-feministas para a defesa e garantia dos direitos das mulheres em todos os campos do direito. Argumentamos, por exemplo, pela maior relevância do depoimento da vítima em casos de violência no ambiente de trabalho e doméstico.

Atuaremos também para o avanço normativo e judicial das garantias dos direitos de todas as mulheres, seja por meio de advocacy junto aos membros do Legislativo, seja pela disputa da interpretação das leis em sentenças e decisões judiciais.

Por fim, almejamos realizar litigância estratégica para a defesa dos direitos das mulheres, com representação em ações coletivas, assistência técnica (já que nossa rede conta também com mulheres feministas que, embora não sejam juristas, trabalham cotidianamente em nosso sistema jurídico, como psicólogas e assistentes sociais) e apresentação de amici curiae.